Imper (feições)
Lá vem ela
desfilando sua leveza pela rua. Eu diria que outrora ela foi de parar o
trânsito. Os cabelos cor de nuvem se enrolam em um pequeno coque. Pelas roupas,
a senhora de olhos vivos e audaciosos, mais parece saída dos concertos de
Woodstock: saia comprida tie day, bata branca esvoaçante, sandálias trançadas
nas pernas.
Pendurada no
ombro uma sacola dessas recicláveis com os dizeres: recycle your mind and
change the world (recicle sua mente e mude o mundo). “Ainda mais instigante para
uma senhora com cabelos grisalhos”, pensei eu. Na mão, a velha tinha um café
fumegante - uma alternativa para esquentar a quarta feira cinzenta. Da minha
janela eu observava seu trote pela rua, imaginando o que sua pele enrugada já
havia vivido. Dois goles no meu uísque e me ajeito na cadeira. Adoro mirabolar
e imaginar histórias para pessoas (que parecem) interessantes.
Depois de uma
longa piscada, volto meus olhos para ela. Suas mãos lançam o copo sujo de café
ao relento (para minha decepção), ele rodopia, dançando no ar e recaí no canto
próximo à calçada. “Eu espero demais dos outros e isso é sempre decepcionante”.
É a minha fraqueza. Querer, mesmo que em pensamento, que as pessoas façam
exatamente aquilo que eu espero. Defeito meu, eu sei. As pessoas tem liberdade
para ser qualquer coisa, errar e acertar da forma que quiserem.
O fato é que
eu estava desolada. Observo o meu uísque, fluído e intenso no copo. Da mesma
forma que ele, meus pensamentos escorriam por toda minha cabeça, quase sendo
expulsos pela orelha, como um turbilhão. “Como uma senhora tão alternativa joga
lixo no chão?”. Para falar a verdade, essa atitude desfez todas as lindas
histórias que construí no meu imaginário. E como se não bastasse imaginar
e encontrar uma solução para a atitude dela.
Isso certamente melhoraria o meu dia.
Talvez, ela
estivesse cansada de fazer a diferença num mundo cruel e banalizado. Talvez,
ela pegou a roupa hippie e ativista emprestada da filha ou da neta. Talvez, ela
queria ser uma poetisa marginal, dessas que vivem de ninguém-sabe-o-que, mas se
divertem muito e são livres para escrever o que quiserem, por isso jogar lixo
no chão era o de menos no momento. Talvez, ela vinha a muito caminhando e não
encontrou nenhuma lixeira no caminho. Ou, talvez, mas só talvez, ela seja humana
e imperfeita, como qualquer um pode ser. E eu precisava aceitar isso.
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