Entre ruínas
Os pés carregados esmurram o chão
deixando quase inaudível o clap clap do chinelo batendo no calcanhar. De tanto
rodar achou o que queria: sentou, conectou o celular na tomada e os fones no
ouvido. Os olhos iam pra lá e pra cá, num balançar ritmado, acompanhando os que
têm pressa pra sair e pra chegar. Ela sempre foi lembrada pela sua capacidade
de camaleão, de se adaptar e dissimular o que seu coração gritava. Foi fácil
oferecer um sorriso tímido ao esquisito de cabelo comprido e barbicha que
sentou ao seu lado. Afinal, ele não sabia dos seus anseios, inseguranças e dos
seus demônios internos. Conectou o celular na mesma tomada que a dela e com uma
piscadela profanou a democratização do espaço. Tudo o que ela não queria era
dividir qualquer coisa com alguém. Não por egoísmo ou mesquinhez. Só não queria
ter que escutar a frase: "e ai, tudo bem?" Para ter que voltar essa
pergunta pra si.
Enquanto ele não largava o jogo do game boy, ela abriu o livro e leu duas páginas, largou. Acendeu um cigarro, mais um e mais outro. Ensaiou um texto pensando em publica-lo num jornaleco qualquer: "quem sabe, um dia!".
Enquanto ele não largava o jogo do game boy, ela abriu o livro e leu duas páginas, largou. Acendeu um cigarro, mais um e mais outro. Ensaiou um texto pensando em publica-lo num jornaleco qualquer: "quem sabe, um dia!".
Fazia tudo para driblar a saudade
e a ausência. Precisava, acima de tudo, de um jeito para não encarar a dor. O
negócio foi cumprir sua sina e seguir em frente. Juntou o pouco dinheiro que lhe
restava, algumas roupas e seguiu para um lugar que forjasse seu recomeço. Foram
tantas as vezes que tinha se decepcionado. Tantas promessas de mudanças já
tinha feito e escutado. O rumo era só mais um relicário para viver o infinito
de si mesma. “Atenção senhores passageiros, com destino a...” A campainha da
rodoviária soava insistentemente. “É o meu”, ela pensava. Juntou a única mala,
as bitucas de cigarro e a garrafa de água. Deu um leve sorriso ao cara do game
boy e partiu. Ao colocar o primeiro pé dentro do ônibus, olhou para trás para dar
uma breve conferida em tudo que ficaria no passado: “Pronto!”. Entrou no
ônibus, se ajeitou na sua poltrona e duas lágrimas caíram bem devagar. Fechou
os olhos, inclinou um pouco a cabeça para trás e finalmente relaxou com a
certeza que o acaso agora guiava o seu destino.
Perfeito como tudo que vc escreve...
ResponderExcluirCurti. Tava na hora de escrever né.
ResponderExcluirMas, eu sempre escrevo... Só não posto. HAHA!
Excluirdescrição impecável, visualizar isso foi só o começo, parece até que já conhecemos a pessoa. parabéns.
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